sexta-feira, novembro 21, 2014

Tu Tens um Medo - Cecília Meireles

"Acabar. 

Não vês que acabas todo o dia. 

Que morres no amor

Na tristeza. 

Na dúvida. 

No desejo. 

Que te renovas todo dia. 

No amor. 

Na tristeza 

Na dúvida. 

No desejo. 

Que és sempre outro. 

Que és sempre o mesmo. 

Que morrerás por idades imensas. 

Até não teres medo de morrer. 

E então serás eterno. 

Não ames como os homens amam. 

Não ames com amor. 

Ama sem amor. 

Ama sem querer. 

Ama sem sentir. 

Ama como se fosses outro. 

Como se fosses amar. 

Sem esperar. 

Tão separado do que ama, em ti, 

Que não te inquiete 

Se o amor leva à felicidade, 

Se leva à morte, 

Se leva a algum destino. 

Se te leva.

E se vai, ele mesmo... 

Não faças de ti 

Um sonho a realizar. 

Vai. Sem caminho marcado. 

Tu és o de todos os caminhos. 

Sê apenas uma presença. 

Invisível presença silenciosa. 

Todas as coisas esperam a luz, 

Sem dizerem que a esperam. 

Sem saberem que existe. 

Todas as coisas esperarão por ti, 

Sem te falarem. 

Sem lhes falares. 

Sê o que renuncia 

Altamente: 

Sem tristeza da tua renúncia! 

Sem orgulho da tua renúncia! 

Abre as tuas mãos sobre o infinito. 

E não deixes ficar de ti 

Nem esse último gesto! 

O que tu viste amargo, 

Doloroso, 

Difícil, 

O que tu viste inútil 

Foi o que viram os teus olhos 

Humanos, 

Esquecidos... 

Enganados... 

No momento da tua renúncia 

Estende sobre a vida 

Os teus olhos 

E tu verás o que vias: 

Mas tu verás melhor... 

E tudo que era efêmero se desfez. 

E ficaste só tu, que é eterno."


Vai. E se não puder amar, deseja.





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