Observo
a infância das crianças. hoje, e fica impossível não pensar na minha. Um
misto de nostalgia e apego me invade quando penso nos bons tempos da Rua
Mostardeiro. Ainda mais saudade, se penso no tempo em que vivi pelos
corredores, recheados de livros, das lojas da minha família. Bons tempos
aqueles. Sim, brinquei na rua, muito. Tive amigos no prédio, tive colegas de
colégio, tive uma irmã companheira. Tive avós que moravam no interior, e com
isso, aproveitei tudo o que a vida no campo pode oferecer. Mas mais do que tudo
isso, tive uma vida envolvida por livros.
Nasci
dentro de uma livraria e cercada por adoradores de livros. E com isso, muito
pequena, criei o gosto (e apego) por suas páginas. Fossem os deliciosos livros
infantis ou os inacessíveis livros adultos, todos me encantavam. O que os
livros me ofereciam, me atraía ainda mais. Eu era bem menina e já tinha minha
amiga literária. Ela era mais velha que eu, e eu a achava (acho até hoje) o
máximo. Uma ruiva bonita e paciente, que chegava à minha casa e tinha
disponibilidade para ler lindos trechos dos livros enormes e mais pesados para
mim. E tinha minha mãe, lendo todas as noites antes do sono me abraçar. E minha
avó, que me deixava solta no meio de uma sala lotada de livros por todos os
lados. E tinha uma parede na minha casa, com livros do chão ao teto, que eu
adorava olhar, enquanto observava meu pai tirando ou recolocando algum título.
Enquanto
meus amigos tinham pais doutores, eu tinha pais empresários. Empresários em um
setor pouco usual, estranho para crianças: o de livros. E eu adorava passar a
tarde com eles. Ou melhor, sem eles. Passeando entre os corredores, tão seguros,
de livros. Correndo entre pilhas e caixas que precisavam ser etiquetadas e
limpas. Eu amava o cheiro daqueles livros. Suas cores e texturas. Amava folhear,
mesmo sem entender. Era muito melhor do que brincar de bonecas. Sem falar, que
sempre tive um amigo, vendedor, interessado em me mostrar novidades, em me
contar alguma coisa sobre um daqueles tesouros de papel. Eu me sentia em um
paraíso ali.
Estive
com Jorge Amado, Mario Quintana, Fernando Sabino quando nem sabia quem eram. E
isso nem me importava, pois eu ficava borboleteando ao redor deles, sem que se
incomodassem. Ver pessoas formando filas para receber um autógrafo só fazia com
que os livros se tornassem ainda mais espetaculares e grandiosos para mim.
Graças
aos livros, minhas notas de português (ok, hoje já não tenho mais aquele português,
eu sei) e literatura, no colégio, eram uma maravilha, e meu vestibular foi tirado
de letra. História era excelente, por tabela. Nunca foi um problema estudar
matérias que exigissem horas de leitura. Graças aos livros, descobri mundos que muita gente da minha
idade desconhecia. Graças aos livros, tive acesso cedo a um lado da vida que me
acompanha até hoje: a facilidade para falar em público (ainda menina fiz parte
de um conselho literário infantil, e palestrei várias vezes sobre a
participação neste conselho). Graças aos
livros, sou muito de quem sou.
Talvez por
isso, por essa minha infância, eu fique tão feliz quando veja a paixão de uma
criança por livros. Fique tão encantada quando veja escritores mirins. Me
delicie tanto ao ver que não é a regra, mas que sim, ainda existem muitos pais
que preferem a leitura, à televisão. Existe um universo todo maravilhoso por
trás dos livros. E ele é infinito.
E que
ninguém se surpreenda, ao ver que ainda prefiro o bom e velho livro, ao kindle
ou ipad. Cheiro, toque, gosto. Sim, porque livros têm gosto também!
2 comentários:
Uma raridade deliciosa - preferir livros - nos tempos que correm.
Ao ler o seu texto, e quase sem saber como, senti iluminar-se a minha eterna costela do querer saber, saber (e encantar-me) sempre mais...
Teve uma infância de invejar, deixe que lhe diga.
Um bom resto de semana!
AC, obrigada pelo comentário! Essa veia (ou costela) do saber é das que mais precisamos preservar. Acho que por isso, tenho tantas saudades da minha infância... ela foi especial.
Um abraço, e ótimo final de semana.
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