Essas mortes todas dessa semana mexeram comigo. Em especial, porque no meio delas, perdi uma pessoa que me era querida. Uma senhora de 92 anos com quem eu convivia há 10. Uma senhora que me pedia abraços a cada vez que me via e adorava me dizer que eu era a moça mais bonita que ela conhecia. Uma senhora que era só doçura. Em meio a tantas mortes de pessoas importantes para o mundo, morreu uma pessoa que era importante para mim. E isso me abalou. Em especial porque eu tenho uma dificuldade danada para lidar com a morte.
Já escrevi sobre isso muitas vezes aqui. Elaboro mal a morte. Dependendo a situação, não sei reagir, não sei controlar, não sei o que falar. Isso deve ter começado lá na minha infância, bem cedo. Meu avô faleceu quando minha mãe estava grávida, ainda me esperando. Eu nasci ouvindo falar na morte de uma pessoa que eu queria muito conhecer e amar por tudo o que foi, mas que nunca vi efetivamente. Amei um homem que morreu antes do meu nascimento, algo pesado e ao mesmo tempo especial. Ainda bem pequena, meu primeiro contato real com a morte foi exatamente o falecimento da minha bisavó, mãe desse meu avô. Eu já sabia que a morte de alguém, especialmente alguém que eu amava tanto, era algo muito sério mas ali, naquele dia ensolarado, sentada na cama dos meus pais ouvindo a notícia eu não conseguia assimilar a importância do que eles me contavam. Eu não conseguia mensurar o vazio que sentiria nos anos seguintes pela falta dessa minha bisa. Queria chorar e não havia como. Queria sofrer, mas ainda não sentia a dor. Eu não imaginava que ela viria depois, aumentando aos poucos. Não sabia que não ter mais as visitas a casa dela me faria tanta falta. Que as tardes de brincadeiras sob a goiabeira, que os biscoitos servidos com guaraná Polar, que a garrafa de música com a bailarina mágica ou a penteadeira antiga ficariam tão profundamente marcados na minha memória afetiva. Meu primeiro contato com a morte foi sem reação imediata. E cobra seu preço até hoje.
Depois dela, perdi muita gente. Perdi meus avós paternos. Perdi minha avó materna, a quem amei mais do que a todos os outros. Perdi minha melhor amiga, muito jovem, e de uma maneira tão injusta e inexplicável que nada nessa vida pode me consolar, por mais que o tempo passe. Perdi vários amigos. Perdi meu tio. Vi pessoas amadas perdendo parentes queridos. Entendi que a vida é feita de perdas. Que a morte é implacável e não anuncia sua chegada. E que em muitos casos, até conseguimos nos recuperar dessa dor inexplicável, mas em outros tantos, o vazio fica ali, escondido no fundo do coração. Que as vezes, quando a lembrança bate, é impossível segurar o choro, ou ate um gostoso sorriso de saudade, pelas doces lembranças que as pessoas deixaram.
Apesar de ter tido tantas perdas, eu percebi, no velório dessa semana que ainda pareço aquela menina lá de trás, sentada na cama dos meus pais, sem saber como reagir. Sim, eu sofro e choro. Sim eu sinto uma dor imensa, até pela dor alheia. Porém, com raras exceções, é quando estou sozinha, quando estou quieta, que eu consigo colocar para fora todo esse meu sentimento. Isso me dói, pois muitas vezes eu não consigo demonstrar nem mesmo para a família, que me importa e ficou, o quanto eu realmente sinto a morte de alguém. Essa semana, não consegui fazer isso, e sei que era importante para eles. Eu lastimo ser assim. Eu queria saber reagir diferente diante da única coisa que é realmente certa nessa vida.
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